Redigida por nossa ex-colaboradora Adriana Barbosa a tese de doutorado Histórias e trajetórias de jovens de classes populares contadas por meio de um Cinema Nosso narra o processo de construção dos jovens periféricos dentro do audiovisual, de como os próprios podem e devem contar suas próprias histórias.
No processo educacional percebe-se, com intensidade, a falta de compreensão sobre expectativas dos jovens em relação à vida e o desconhecimento de seus hábitos e interesses para além da escola. Com essa percepção, partiu-se para formular a proposição que sustentou essa tese, em diálogo com histórias de vida de jovens que viveram uma experiência inédita, participando do projeto da Escola Audiovisual Cinema Nosso, uma instituição que visa a ampliar o acesso desses jovens ao consumo de bens culturais e à produção de filmes. O mercado audiovisual (produção, distribuição e exibição), restrito às classes mais favorecidas, em função dos investimentos necessários para a realização de filmes e com exibição limitada pelos poucos espaços, torna-se quase proibido para jovens de classes populares. Assim, histórias contadas nas telas de cinema, em maioria, não são feitas pelo olhar de quem está inserido no campo popular, mesmo quando constituem tema central de produções cinematográficas. O olhar de quem conta a história é, na maioria das vezes, de alguém de fora, que vive outra realidade socioeconômica. A rememoração da experiência vivenciada no Cinema Nosso, por via remota, por meio de entrevistas gravadas em vídeo, revelou como o projeto constituiu um caminho fecundo para estabelecer relações mais democráticas com esse público. Puxando múltiplos fios envoltos na relação entre palavra dada e escuta, pôde-se chegar à compreensão cênica de tramas individuais e coletivas (singulares e plurais), de percursos e cotidianos evidenciados por meio de narrativas (auto)biográficas com o apoio de vídeos. A pesquisa mostrou, no texto e em vídeo com as narrativas finais de quatro jovens personagens, que ter podido acessar bens culturais e a linguagem cinematográfica influenciou significativamente trajetórias de vida e escolhas futuras dos participantes da pesquisa. Essas novas escolhas foram determinadas pelas redes de relações e de táticas com as quais reinventaram a vida e criaram formas de resistência, subvertendo a ordem estabelecida pelo poder dominante. A tese, apresentada em dois formatos — em linguagem audiovisual e escrita —, conclui ter sido o Cinema Nosso uma experiência emancipatória que afetou não apenas os jovens, mas a comunidade com quem operam, e ainda a relevância de se ampliar o campo de possibilidades políticas, éticas e estéticas por meio da democratização de lugares de fala, legitimando a autoria de sujeitos com outras linguagens.